
O vertiginoso aumento dos preços do cacau no mercado internacional, que triplicaram desde 2023 e ultrapassaram brevemente os US$ 12.000 por tonelada, está gerando efeitos colaterais alarmantes na Costa do Marfim, maior produtor mundial da commodity. O forte descompasso entre o preço pago internamente aos agricultores — regulado pelo governo por meio do Conseil du Café-Cacao (CCC) — e o valor negociado nos mercados internacionais está alimentando uma rede crescente de contrabando para países vizinhos como Guiné, Togo e Libéria.
Na prática, agricultores e intermediários locais estão optando por rotas ilícitas para lucrar mais, diante de um sistema de precificação estatal que paga, atualmente, cerca de um terço do valor internacional. “Como convencer um agricultor a aceitar menos dinheiro quando outro comerciante está oferecendo mais?”, questiona Abdul Baudula, chefe de uma cooperativa agrícola na cidade de Duékoué.
A logística do contrabando varia: enquanto motoboys cruzam trilhas florestais com sacos de 65 kg durante a madrugada, redes organizadas operam com caminhões transportando até 30 toneladas de grãos por viagem. O esquema, sustentado por pagamentos de propina que podem chegar a US$ 21 mil por carga, envolve empresários influentes e, segundo denúncias, agentes públicos coniventes.
Impactos estruturais e financeiros
O vazamento de cacau não só afeta o equilíbrio comercial do país como também agrava a crise de fornecimento enfrentada pelos grandes compradores internacionais. Estima-se que cerca de 100 mil toneladas foram desviadas por contrabando durante a safra 2023/24, em um total colhido de 1,7 milhão de toneladas. O reflexo imediato foi uma queda de 30% nas chegadas de grãos aos portos marfinenses.
Com menos produto disponível, empresas como Barry Callebaut, Cargill, Olam e Touton enfrentam dificuldades para honrar contratos internacionais e manter seus compromissos com rastreabilidade e sustentabilidade. O problema se torna ainda mais crítico com a aproximação da vigência do Regulamento Europeu de Desmatamento (EUDR), que exigirá, a partir de dezembro, a comprovação de origem dos grãos até o nível da fazenda.
Além das perdas econômicas — o setor do cacau representa cerca de 40% da receita de exportações do país — o aumento dos fluxos ilícitos mina a credibilidade do sistema regulatório e compromete políticas públicas futuras para o setor.
O CCC e o governo da Costa do Marfim afirmam ter intensificado os esforços para conter o contrabando. Desde outubro, mais de 590 toneladas de cacau foram apreendidas e ao menos 34 pessoas presas. Em fevereiro deste ano, a alfândega marfinense confiscou 2.000 toneladas de grãos que seriam exportadas ilegalmente sob a falsa rotulagem de borracha, com valor estimado em US$ 19 milhões.
Militares foram destacados para regiões de fronteira, e comitês regionais de repressão foram estabelecidos em conjunto com o Ministério do Interior. Mesmo assim, comerciantes e analistas alertam que as redes de contrabando continuam ativas, muitas delas sustentadas por conexões políticas e financiamento robusto.
Especialistas como Fabrice Laurent, da consultoria Forestero, apontam que a disparidade entre produção e exportações em países como a Guiné — que não aumentou significativamente sua produção, mas viu suas remessas subirem 15% em 2023/24 — é um forte indício do volume contrabandeado da Costa do Marfim.
Além da repressão, analistas defendem uma reforma urgente no sistema de precificação. Enquanto o governo continuar vendendo a maior parte da safra com antecedência e abaixo dos preços de mercado, o incentivo à evasão permanecerá. Para um país que depende profundamente do cacau, encontrar um equilíbrio entre estabilidade institucional e atratividade comercial é, mais do que nunca, uma necessidade estratégica.
Fonte: mercadodocacau com informações bloomberg