Comunidade de Boipeba é contrária à chegada de resort à ilha

Projeto imobiliário recebeu autorização do Inema para “supressão de vegetação nativa” e o “manejo da fauna” 

A instalação de um megaempreendimento na Ilha de Boipeba, no município de Cairu, tem sido alvo de protestos de integrantes da comunidade local. Por meio da Internet, o grupo “Salve Boipeba”, que conta com a participação de moradores e comerciantes locais, criou uma petição contrária ao empreendimento “Ponta dos Castelhanos”, que seria instalado em uma área de proteção ambiental, que compreende áreas de mata atlântica, manguezais e restingas. O abaixo-assinado já reúne mais de 33 mil assinaturas.

Segundo o grupo, há um entendimento que o empreendimento desrespeita o “território ambiental e sua biodiversidade”.  

“Mas a nível simbólico, rompe com um movimento global e atualizado de proteger e garantir a dignidade e subsistência das comunidades tradicionais. Acreditamos que o projeto turístico-imobiliário da Mangaba serviria apenas para endossar o racismo ambiental já existente e contribuir para um projeto de turismo predatório, que não respeita a conectividade do ecossistema local”.

Ainda segundo o grupo, a instalação do resort causaria “danos irreparáveis para o ecossistema do local, indo na contramão do turismo ecológico e sustentável”.  “Além dos desastrosos impactos ambientais, a comunidade da Ilha de Boipeba irá sofrer por não conseguir desenvolver o seu sistema de subsistência tradicional. A pesca artesanal ficará fragilizada e inviabilizada, assim como a pequena agricultura e o extrativismo sustentável. Essas atividades, são indispensáveis para manutenção da identidade coletiva e do modo de vida dos moradores locais”, diz nota publicada pelo grupo.

A empresa Mangaba Cultivo de Coco é responsável pelo projeto imobiliário que conta com 69 lotes, 25 casas assistidas, 2 pousadas de 25 quartos, aeroporto, além de uma grande estrutura náutica e um campo de golfe. Segundo o Salve Boipeba, o empreendimento deve ocupar cerca de 20% da Ilha de Boipeba, e vem sendo denunciado por moradores da região desde 2019.

A Mangaba Cultivo de Coco Ltda tem como sócios José Roberto Marinho, um dos herdeiros do Grupo Globo, e Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central no governo (1999-2003), além de Marcelo Padrez de Faria Stallone, Arthur Baer Bahia, Filadelfia Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda. e Sonoio Participações Ltda.

Autorização

Na última terça-feira (7), o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) emitiu uma autorização para as obras. O documento do órgão estadual autoriza a “supressão de vegetação nativa” e o “manejo da fauna” para implantação do resort.

O  movimento Salve Boipeba  questiona que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) tenha fundamentado a decisão do Inema, que permitiu a “supressão de vegetação nativa” e o “manejo da fauna”.

“É no mínimo questionável que a SPU tenha fundamentado a decisão do INEMA que permite inclusive desmatamento de mata atlântica em terra da União para que uma minúscula parcela afortunada da sociedade possa ter momentos de lazer. A implementação do projeto funcionaria como agravante de racismo ambiental, visto que os impactos negativos não seriam sentidos por quem chega de helicóptero na ilha, mas pela população historicamente marginalizada e invisibilizada”, ressaltou o grupo em nota.

A possibilidade da instalação do empreendimento também é vista como negativa por pousadas que já funcionam no local, como a Pousada Mangabeiras, que emitiu uma nota em sua rede social, classificando o empreendimento como uma “ameaça”. Na postagem, a pousada ressalta a importância do turismo sustentável, e informa que sua operação é “planejada para que os impactos socioambientais sejam mínimos. Nós também acreditamos que o turismo sustentável só acontece a partir da inclusão da comunidade em nossas ações”, ressalta.

“Por tudo o que acreditamos e defendemos, queremos chamar a atenção para uma ameaça que ronda nossa ilha: a possível construção de um mega empreendimento em Castelhanos, que coloca em risco a população de São Sebastião (Cova da Onça), os manguezais, os locais de desova de tartarugas e uma biodiversidade que é ainda abundante por aqui. A comunidade está se organizando para lutar contra a realização deste projeto há vários anos e, semana passada, foi publicada uma portaria que autoriza a construção deste empreendimento”, diz a publicação.

Empresários

Por meio de nota, a Mangaba Cultivo de Coco afirmou que as declarações, que vão de encontro ao megaempreendimento, “não são compatíveis com a verdade”. O grupo disse também que os protestos a respeito das obras “deixam claro o desconhecimento de seus autores e disseminadores”.

“É lamentável que uma iniciativa que reúne órgãos governamentais, a iniciativa privada e representantes de comunidades locais, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável da região, seja atacada com declarações mentirosas”, finalizou. 

Governo do Estado

Quem também se manifestou sobre o tema foi o governador Jerônimo Rodrigues (PT). Em fala na manhã desta segunda-feira (13), o petista afirmou que vai verificar se realmente há algo ilegal.

“Nós temos uma lei nacional que estabelece um quantitativo, um tamanho, para quem tem a propriedade, puder fazer o uso dela com respeito a uma lei, até 20%. Não digo de desmatamento, mas de supressão vegetal, como é o termo chamado. A informação que nós temos é que são dois hectares, não são 20. Não é toda a área”, disse Jerônimo, conforme reportagem do Informe Baiano.

O governador também disse que pediu mais informações sobre o caso ao secretário estadual do Meio Ambiente, Eduardo Sodré Martins. Jerônimo também sinalizou que o empreendimento “está dentro do padrão” e que o Estado vai exigir da empresa uma “compensação”.

“As pessoas, às vezes, não têm culpa da desinformação. Esse processo não é de agora, tem 11 anos. Hoje mesmo eu recebi um ‘fake’ dizendo que vai ocupar toda ilha, aquela área belíssima. Não é verdade, é ‘fake’. O que tá pedindo, inclusive, já passou. E foi aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente”, destacou.

Inema

Por meio de nota, o Inema esclareceu a licença concedida ao empreendimento. “O empreendimento Fazenda Ponta dos Castelhanos, Ilha de Boipeba, nas imediações do Povoado de São Sebastião (Cova da Onça), município de Cairu, trata-se de uma área com extensão de 1.651,00 ha para implantação de condomínio, na área de abrangência da APA das Ilhas de Tinharé e Boipeba”.

Ainda segundo o órgão, o projeto tem Autorização de Supressão de Vegetação Nativa (ASV) para uma área de 2,9 hectares, tendo a propriedade um total de 1.651 hectares, que possui “escrituras registradas em cartório e manifestação favorável do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), formalizada no processo de licenciamento”.

O Inema também ressaltou que o projeto foi licenciado com a “mais perfeita lisura e transparência dos atos adotados pelo Instituto, de acordo com a lei, seguindo o código florestal, atendendo a Lei da Mata Atlântica, os marcos legais e as resoluções federais e estaduais”. O órgão sinalizou ainda que, em 2016, após ser avocado, o projeto passou pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEPRAM) “sem ressalvas ou considerações deste colegiado, que possui participação da sociedade civil, inclusive organizações não governamentais com atuação ambiental”.

Outro ponto da nota ressalta que a supressão vegetal autorizada é de “cerca de 2% do total da área, excluindo Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL)”. Com esses indicativos, o Inema aponta que se trata de “um dos empreendimentos turísticos de menor taxa de ocupação de todo litoral brasileiro”.

“Em uma extensão de 16 milhões de metros quadrados, serão construídas 67 casas, duas pousadas com 25 quartos e uma pista de pouso. Uma média de uma unidade a cada 230.000 m2, com baixo impacto visual e ambiental, adotando o conceito de desenvolvimento sustentável”, concluiu a nota.

Fonte: Portal M!