ESTUDO AVALIA EPIDEMIA DE CRACK EM SALVADOR

Pesquisa da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal da Bahia (Ufba) aponta que 15% de 79 usuários de crack, entre 18 e 24 anos, estão infectados pelo vírus da Aids (HIV) em Salvador.
Realizado  pelos pesquisadores Francisco Inácio Bastos, da Fiocruz, e Tarcísio Andrade, da Ufba, entre novembro de 2010 e junho de 2011, o estudo Epidemia do Crack é a mais recente investigação com esse recorte em meio aos usuários.
Para chegar ao resultado, o levantamento fez testes sorológicos em 160 usuários  em Salvador e no Rio de Janeiro, onde foram entrevistadas 81 pessoas. Os exames analisaram também o contágio dos dependentes químicos pelos vírus das hepatites B (HBV) e C (HCV).
Andrade, que coordena a Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti, da Faculdade de Medicina da Ufba, conta que, em Salvador, os usuários pesquisados pertenciam às regiões da cidade onde a entidade já atuava, como na Cidade Baixa e no Centro Histórico.
A porcentagem de usuários que recorriam à prostituição para obter dinheiro é de 8% em Salvador e 17% no Rio. A pesquisa revelou, ainda, que 70% dos pesquisados na capital baiana recebiam alguma remuneração, quer seja de formas legal ou ilegal. No Rio, o índice é de 42%.
Metodologia

O pesquisador relata que amostras de sangue dos entrevistados foram enviadas para análise nos laboratórios da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Fiocruz. Os exames apontaram também o contágio de uma pessoa por HCV em Salvador e cinco por HBV no Rio.
“Fizemos um recrutamento com os dependentes nas comunidades onde já possuíamos uma atuação e pedimos que eles convidassem outras pessoas que também faziam uso da droga”, explicou Andrade, que também é professor da Faculdade de Medicina da Ufba (Famed).
O que chama atenção na pesquisa, prossegue Andrade, é o fato de os entrevistados terem alegado não fazer uso de drogas injetáveis, o que aponta para a probabilidade de contágio pelo HIV por via sexual ou pelo compartilhamento de itens para usar a droga, como o cachimbo.
“Com o surgimento do crack, no fim da década de 1990, os usuários abdicaram de injetar drogas no organismo. Por conta disso, há a hipótese de terem contraído HIV por meio do sexo desprotegido ou ao compartilhar o cachimbo, já que a queima da pedra pode causar feridas na boca”, explicou.
Conforme a pesquisa, os recipientes plásticos são os preferidos dos usuários do município do Rio (87%) para fumar a pedra de crack, já os de Salvador preferem fumar a droga misturada aos cigarros de maconha (34%) ou ao cigarro comum (10%).
Na avaliação de Andrade, faltam políticas públicas direcionadas a atender  esse grupo social, cada vez mais presente nas cidades. “Não adianta somente tratar o vício. Pois, além dos serviços de saúde, precisa haver formas de gerar renda e reinserir essas pessoas no âmbito social”, acredita.
Raquítico
A aparência raquítica de Demétrio, 23 anos, não possibilita dizer se a magreza é decorrente da falta de alimento, substituído pelo crack, ou de alguma doença sexualmente transmissível (DST), já que ele nunca realizou um teste para detecção de Aids antes.
O rapaz sobrevive da venda de produtos recicláveis, como papelão, latas de alumínio e garrafas PET, obtidos pelas ruas da Cidade Baixa, onde vive. O dinheiro serve para alimentar o vício “várias vezes ao dia”. E, a cada pedra comprada, lá se vão R$ 5.
“O tamanho (da pedra) depende de quanto eu tenho em mãos. Se tiver R$ 2 ou R$ 3, já dá para comprar um farelo”, ele conta, enquanto prepara as cinzas de um cigarro para fumar a droga em uma lata amassada, no Comércio. “A lata ainda posso vender. Se a polícia me pegar com o cachimbo, é problema”, revela.