FALABELLA, “AS NEGAS” E A POLÊMICA

Até o telespectador mais acostumado as polêmicas que correm como fogo de palha na internet por causa de programas de televisão deve ter se surpreendido com a repercussão alcançada pelo bloco dos descontentes com o anúncio de Sexo e as Negas, seriado de Miguel Falabella que estreia amanhã na Globo.
Paródia com pano de fundo suburbano do seriado americano Sex and the City (HBO), vai mostrar a vida de quatro mulheres negras numa favela da zona norte do Rio. De antemão, seria o caso de festejar a abertura de um grande espaço para atores negros na TV, como protagonistas. E rir do trocadilho que o autor tirou da mistura do título original com uma gíria que circula no Rio da zona norte a zona sul – “as nêga”, dizem as cariocas, de negras para negras, de negras para brancas, de brancas para brancas.

Mas desde a semana passada cresce nas redes sociais uma campanha pelo boicote do seriado, com direito a denúncias por racismo na Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Começou com a implicância com o título – “Não somos suas negas, Falabella”, postam as incomodadas – e, agora, mira na profissão das personagens – cozinheira, recepcionista, camareira e operária desempregada –, que reforçariam a imagem da serviçal sensual.
Todos os argumentos sobre as poucas oportunidades para atores negros na TV são fortes e é verdade que já demora demais uma solução que amplie a imagem do afrodescendente além do estereótipo. Mas não é um contrassenso pedir mais papéis para atores negros e, ao mesmo tempo, tentar impedir que vá ao ar um programa estrelado por maioria negra?
Precisamos ver negros protagonistas de suas histórias e é isso o que deve estar em primeiro lugar quando estamos no campo da ficção. A profissão é apenas um dos ingredientes, o que vale são os sentimentos envolvidos e a luz que se põe sobre a vida do personagem em questão.
Claro que  Soraia (Maria Bia), Zulma (Karin Hills), Lia (Lilian Valeska) e Tilde (Corina Sabbas) deSexo e as Negas poderiam ser médicas, advogadas, esteticistas ou pertencer a qualquer profissão que não fosse configurada como serviçal. Mas por que, afinal, a doméstica não pode falar sobre sexualidade? Quem disse que as negras de Falabella são mulheres-objeto ou figuras com grande carga sensual?
Twitter: @patvillalba
Vale dizer que, como em Sex And The City, as histórias não são sobre exatamente sobre sexo, mas sobre feminilidade na vida moderna. O primeiro episódio, por exemplo, trata da mobilidade urbana. Cansadas de pegar ônibus para chegar ao trabalho na zona sul, as personagens decidem para comprar um carro em conjunto. Elas são batalhadoras, não coitadinhas. Se bobear, vamos ver mulheres de mais garra do que as novaiorquinas da HBO. Mas se elas não forem é porque a ficção não precisa criar um tratado sociológico a cada vez que resolver passear por temas sensíveis para determinado grupo.
O mais irônico da situação é que Falabella sempre reservou espaço especial para personagens negros em suas novelas – e eles nunca passaram despercebidos. Veja abaixo uma amostra “das negas” do autor:
(Divulgação)

(Divulgação)
Jacinta (Zezeh Barbosa), de ‘Salsa e Merengue’ (1996)
Quando a TV ainda nem sonhava com o fenômeno “empreguetes”, Miguel criou Jacinta para Salsa e Merengue, novela das 7 de 1996. Vivida por Zezeh Barbosa, foi um tipo bastante elogiado pela forte atitude em cena, espelhando a modernização dos empregados domésticos que explodiria nos nossos dias. Jacinta era governanta da ricaça Bárbara Amarante Paes (Rosamaria Murtinho) e ficou famosa por dizer o que pensa a patroa, que a tinha como braço direito e amiga.
(Divulgação)

(Divulgação)
Latoya, (Zezeh Barbosa), de ‘A Lua Me Disse’ (2005)
“Não como chocolate, café nem feijão. Porque preteja”, dizia a Latoya de A Lua Me Disse, em 2005. Batizada Anastácia e utilizando-se de codinome inspirado pela irmã de Michael Jackson, a vilã tinha vergonha de sua negritude e gritava isso aos quatro ventos, ao mesmo tempo em que se metia em negociatas para tentar subir na vida.
(Divulgação)

(Divulgação)
Tamanco (Mart’nália) e Marcão (Maurício Xavier), de ‘Pé na Cova’ (Mart’nália)
Mecânica lésbica, Tamanco fisgou Odete Roitman, a mulher mais bonita do Irajá de Pé na Cova, que estreou no ano passado. Não bastasse, num clima meio Modern Familytropicalista, casou-se com ela e adotou um garoto negro. Vale dizer que Odete era filha de Ruço, papel do próprio Falabella, que terminou o seriado ainda como avô de uma bebê oriental. Tamanco, não se pode esquecer, era irmã de Marcão (Maurício Xavier), mecânico durante o dia e travesti à noite.