Peixe pode ser forte aliado no combate ao mosquito Aedes aegypti, confira

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Custódio Coimbra 

“Se houver uma guerra nuclear, só vão sobrar baratas e barrigudinhos”, brincou um agente de saúde da prefeitura enquanto os pequenos peixes eram jogados numa piscina abandonada na sede do América Futebol Clube, na Tijuca, sexta-feira pela manhã. Resistentes, capazes de se reproduzir com facilidade mesmo na água suja, os exemplares da espécie Poecilia reticulada, conhecidos como lebistes, guppys ou barrigudinhos, também têm apetite voraz por larvas de mosquito. Não por menos, estes e outros peixes larvófagos se tornaram aliados de diferentes municípios em pé de guerra contra a proliferação do vilão Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika e chicungunha.

MUITO USADO NO NORDESTE

Cidades como Uberlândia e Alfenas, em Minas Gerais, ou Ipameri, em Goiás, vêm recrutando lebistes no combate ao inseto que se tornou inimigo público número 1. No início do mês, as pequenas Riacho das Almas e Itapetim, no sertão permabucano, anunciaram reduções drásticas em seus índices de infestação por Aedes depois de jogar peixes larvófagos em reservatórios que acumulam água para enfrentar a seca do Nordeste.

No Rio, a prefeitura mantém 12 tanques usados como criadouros de barrigudinhos no terreno do antigo parque aquático Wet n’ Wild, em Vargem Grande, na Zona Oeste. E cada uma das dez coordenações de área da Secretaria municipal de Saúde (SMS), onde ficam as equipes de vigilância ambiental em saúde, tem pelo menos um tanque, de onde os agentes retiram os peixinhos. Os pequenos soldados são usados em piscinas sem cuidado, fontes de praças públicas ou em qualquer outro grande local de concentração de água parada. A piscina do campus desativado da Universidade Gama Filho, na Piedade, por exemplo, está cheia de barrigudinhos. A fonte da Praça Xavier de Brito, na Tijuca, também.

– Quando temos que entrar numa casa abandonada com piscina, sempre levamos os lebistes. Esses peixes se reproduzem rapidamente e, enquanto houver matéria orgânica na água, eles permanecerão ali, se alimentando das larvas e impedindo a proliferação do mosquito – explica o coordenador de Vigilância Ambiental em Saúde, Marcus Vinícius Ferreira. – Trata-se de um predador natural muito resistente. O controle biológico é eficaz, não há impacto sobre o meio ambiente e ainda é mais barato que o larvicida.

Especialistas deixam claro que, principalmente em grandes cidades, o uso de peixes larvófagos nunca vai substituir o cuidado que cada morador deve ter de eliminar cenários propícios para o Aedes se reproduzir. Calhas, pneus, vasos de planta, garrafas PET e aqueles cacos de vidro colados no alto de muros, por exemplo, precisam ser sempre monitorados para impedir o depósito de água parada. Lixo acumulado, nem pensar.

– Os peixes larvófagos também foram muito usados no combate a outros mosquitos, como os transmissores de malária. Mas é preciso, de tempos em tempos, certificar-se de que eles continuam na água. Porque, por exemplo, se faltar alimento, eles devoram seus próprios filhotes, e isto pode levar ao fim da população de peixes num determinado local – analisa o infectologista e epidemiologista Celso Ramos Filho, da UFRJ, que é cético em relação ao uso do barrigudinho. – Você não vai colocar o peixe numa calha ou em lixo acumlado, por exemplo. É um recurso contra o mosquito, mas, para controlar a proliferação de Aedes numa cidade como o Rio, é preciso muito mais.

Após a comoção gerada pelo surto de microcefalia em recém-nascidos causado pelo vírus zika, o número de denúncias de possíveis criadouros de Aedes no número 1746, da prefeitura do Rio, disparou. Muitas vezes uma piscina abandonada é motivo de diversos telefonemas num mesmo dia. São moradores vizinhos que, principalmente nos meses quentes de verão, assustam-se com os grandes acúmulos de água verde de tão suja. Segundo os agentes de saúde, em alguns casos a piscina já está cheia de barrigudinhos, mas, de longe, não se percebe. Os exemplares da Poecilia reticulada não passam de 5 cm. Tão pequenos que, por vezes, são confundidos com girinos.

Uma das principais características do barrigudinho, de acordo com a equipe que esteve ontem na sede do América, é a sua capacidade de se reproduzir em condições adversas. Ele se adequa ao ambiente urbano com facilidade, assim como o Aedes. O agente de saúde Luciano Lobo, por exempo, conta que, durante anos, os peixes sobreviveram durante anos nos poços de água pluvial de uma obra parada do metrô da Tijuca.

– Era um lugar frio, escuro e muito sujo. Mesmo assim, os barrigudinhos sobreviveram lá por anos, até a estação Uruguai ser inaugurada. (O Globo)