Perito contesta versão da polícia sobre morte da cigana de 14 anos na Bahia

Um perito contratado pela família da adolescente Hyara Flor, de 14 anos, contesta a versão apresentada pela Polícia Civil da Bahia, em agosto deste ano. O inquérito concluiu que o disparo que matou a vítima foi feito de forma acidental pelo cunhado dela, uma criança de nove 9 anos, enquanto os dois brincavam com uma arma de fogo.

O laudo, assinado pelo perito forense Eduardo Lianos, profissional de São Paulo, com 30 anos de experiência na área, aponta que uma pistola calibre .380 não pode ter sido disparada por uma criança de 9 anos.

“A arma não é adequada para o uso de crianças. O gatilho é muito pesado e exige muita força para ser acionado. Além disso, a criança precisaria ter conhecimento e habilidade para manipular o armamento”, afirmou Lianos.

O perito também questionou o depoimento do cunhado de Hyara, que afirmou que a vítima teria manipulado a pistola e colocado nas próprias mãos para apontar na direção dele e simular um assalto, durante uma brincadeira.

“Atitude desconexa com a realidade pois a deflagração de uma arma precisa de uma manipulação especifica supostamente de conhecimento da vítima, a qual saberia as consequências do seu acionamento”, apontou o laudo.

O laudo ainda apontou que o fato de o marido de Hyara Flor, que também estava no local do crime, ter exercido seu direito de permanecer em silêncio durante o interrogatório, é um indício de que ele pode ter envolvimento no crime.

A advogada Janaína Panhossi, que representa a família de Hyara Flor, revelou que o laudo foi entregue ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) há cerca de 20 dias, e disse que o órgão pediu novas investigações para a Polícia Civil.

“O laudo do perito é contundente e demonstra que a versão apresentada pela polícia é incompatível com as evidências do caso. Esperamos que as novas investigações sejam justas e transparentes, e que os responsáveis pelo crime sejam devidamente punidos”, disse Panhossi.

O caso de Hyara Flor ganhou repercussão nacional e causou comoção na cidade de Santo Antônio de Jesus, na Bahia, onde a vítima morava. Ela foi sepultada no dia 26 de novembro de 2021.

Outras constatações do laudo

Além das constatações já mencionadas, o laudo também aponta que:

  • A testemunha que estava no local do crime disse que o marido de Hyara Flor não escutou o cunhado gritar que teria atirado na vítima, apenas ouviu o barulho do disparo.
  • O marido de Hyara Flor disse não ter visto a vítima manusear a arma de fogo antes do disparo.
  • O laudo não encontrou marcas de pólvora nas mãos da vítima, o que indica que ela não disparou a arma.

Reprodução da dinâmica considerada improvável pelo perito. — Foto: G1

Segundo o perito forense, o disparo que atingiu a vítima na região do pescoço provocou uma “zona de tatuagem”, na parte de baixo da cabeça. Isto, conforme o documento, significa que ao ser deflagrado à curta distância da vítima, o projétil provocou a saída de gases e resíduos expelidos pelo cano da arma.

Reprodução da dinâmica considerada improvável pelo perito.

A “zona de tatuagem” é o resultado da impregnação dos resíduos de combustão e semicombustão da pólvora e das partículas sólidas do próprio projétil.

  • A diferença de altura entre Hyara Flor e o cunhado, conforme o documento, obrigaria a criança a realizar um disparo de baixo para cima, permitindo a presença de uma “zona de tatuagem” em grande parte do pescoço, em torno do ferimento. No entanto, no inquérito, o médico legista teria observado a zona de tatuagem apenas na região abaixo da cabeça.

Reprodução da dinâmica considerada provável pelo perito.

  • Para determinar a diferença de altura entre Hyara Flor, o marido (que a família aponta como autor do crime) e o cunhado (apontado pela polícia), foram solicitadas fotografias e também usados depoimentos que determinam a altura aproximada de cada um. Foi constatado que o tiro foi efetuado por uma pessoa mais alta que a vítima.
  • Dentro da análise de imagens cedidas para estudo, o perito constatou que, mesmo após o corpo da vítima ser preparado para velório e sepultamento, realizando toda uma higiene para retirar vestígios visíveis de uma morte violenta, parte dos dedos, especialmente a ponta do polegar esquerdo, apresentava vestígios atribuíveis a depósito de resíduos de pólvora.

Reprodução da dinâmica considerada provável pelo perito. — Foto: G1

  • Segundo o documento, os vestígios podem indicar que a vítima tentou segurar a arma para evitar ser disparada ou posicionou as mãos perto do cano.

Falta de provas objetivas

O perito forense também apontou que a falta de trabalhos periciais e investigativos com o objetivo de produzir provas objetivas e inquestionáveis “limita toda e qualquer tentativa de elucidar um crime”.

Segundo o documento, não foram encontrados no inquérito resultados ou perícias necessárias para obter linhas de investigações que demonstrem a autoria do crime e a real motivação. Veja abaixo a lista de questionamentos – algumas coincidem com as que o MP-BA fez para a Polícia Civil:

  1. Trajetória e trajeto balístico;
  2. Resposta as perícias de DNA e digitais na arma;
  3. Reprodução Simulada;
  4. Perícia do aparelho telefônico da vítima, e;
  5. Constatação da exata vertebra cervical onde ficou alojado o projétil.

O parecer técnico criticou a informação passada pelo perito médico legista, que constatou que o projétil entrou na região anterior ao pescoço de Hyara Flor e se alojou na vértebra cervical. “Lamentavelmente o Perito Médico Legista não manifesta em qual das 07 vertebras cervicais ficou alojado o projétil limitando tecnicamente a elucidação do trajeto balístico”, pontuou, no laudo.