Interpretar um homossexual no cinema ou na televisão já chegou a ser visto como um risco profissional, a ponto de deixar o ator marcado para sempre. Não mais. O público amadureceu à medida que os gays foram conquistando seus direitos na sociedade, e, hoje, um personagem homossexual bem construído pode ser o passaporte para o reconhecimento e até o estrelato. Em Hollywood, basta citar os exemplos de Matthew McConaughey e Jared Leto, premiados com o Oscar deste ano de melhor ator e coadjuvante, respectivamente, por Clube de Compras de Dallas, em que ambos vivem homossexuais. Nas novelas brasileiras, a lista de atores que vêm alcançando reconhecimento com personagens gays é cada vez maior. Mateus Solano e Thiago Fragoso, o casal Félix e Niko de Amor à Vida, são prova disso.
Sempre cercados de uma onda de curiosidade – em geral alimentada pela questão “vai ter beijo?” -, os gays se tornaram onipresentes na ficção, não só pela necessidade de mostrar o que acontece na vida real, mas também pela capacidade de mobilizar espectadores. Não é exagero dizer que Clara (Giovanna Antonelli) e Marina (Tainá Müller), de Em Família, atraíram mais atenção do que a protagonista Helena (Júlia Lemmertz). Pronta para substituir o folhetim de Manoel Carlos na faixa das 21h, Império entra no ar nesta segunda-feira com nada menos que quatro personagens gays: Xana Summer, um travesti interpretado por um improvável Ailton Graça; Téo Pereira, um blogueiro invejoso que vive de fazer fofoca na internet, vivido por um afetado Paulo Betti; Leonardo, um bonitão aspirante a modelo, papel do jovem galã Klebber Toledo; e – o mais surpreendente de todos – o cerimonialista Cláudio Bolgari, interpretado por José Mayer.
O galã com fama de pegador (de mulheres) surgirá em cena no quarto capítulo como um organizador das melhores festas do Rio de Janeiro. Casado com a ex-miss Brasil Beatriz (Suzy Rêgo), ele esconde de todos – exceto dela – que é homossexual e tem, há dez anos, um caso com Leonardo (Klebber Toledo). “Já faz um tempo que busco papéis diferentes, e acho divertido mexer um pouco com aquela fama de conquistador que se formou a meu respeito por causa de personagens anteriores”, comentou o ator, no lançamento da novela. Ao site de VEJA, ele afirmou que evita planejar suas realizações na profissão e prefere se deixar levar pelo papel. “Cada personagem traz conteúdos diferentes, e é isso que acaba criando, fisicamente, posturas e expressões diferentes a cada novo trabalho.”
Na única cena divulgada pela TV Globo em que o novo casal gay aparece junto, Claudio fala cara a cara com Leonardo, da mesma forma como o Pedro de Laços de Família (2000) faria com Helena (Vera Fischer), Ingrid (Deborah Secco) ou Cíntia (Helena Ranaldi). As fãs que se acostumaram a ver José Mayer em papéis sedutores, desde o Osnar de Tieta (1989), nunca poderiam ter imaginado que seu decantado sex appeal seria usado um dia em terreno gay. Mas a verdade é que o próprio ator nunca se acomodou no papel de galã: “O que existe de mais valioso nesta profissão é a liberdade para romper nossos próprios limites e ajudar o espectador a ampliar sua capacidade de perceber a multiplicidade da experiência humana”.
Vida real – Nas novelas, gênero que muitas vezes parece já ter esgotado todas as histórias possíveis, o universo gay é um terreno fértil e tende a ser explorado com cada vez mais liberdade, abordando desde os direitos civis como a aceitação dos familiares. Para Aguinaldo Silva, autor de Império, a dramaturgia nada mais é do que um reflexo do dia a dia. “Quando escrevo meus personagens, quero retratar um pouco do que vejo na sociedade. Sempre digo que não trabalho com tema, e sim com tramas. Esse é o meu lema quando escrevo uma novela”, contou ao site de VEJA. Tratados com tanto esmero pelos dramaturgos, esses papéis têm atraído o interesse dos atores. Até então com uma galeria de patricinhas mimadas na TV, Tainá Múller, a Marina de Em Família, não escondeu a felicidade de ser escalada para viver uma fotógrafa homossexual. “Há tempos eu queria uma personagem que me tirasse do chão”, comentou logo no início da novela que pode ser vista como um divisor de águas em sua carreira.
A partir desta segunda – já que José Mayer não precisa mais provar a que veio –, a bola está com o belo Klebber Toledo. Lançado em Malhação em 2007 e com cinco novelas no currículo, o ator de 28 anos tem em Leonardo seu personagem mais complexo. Em conversa com o site de VEJA, Klebber preferiu ser comedido ao falar da expectativa em torno do novo desafio. “Procuro não criar um rótulo para ele. É o Leonardo que tem de se classificar”, disse, frisando que seu personagem tem uma “história de amor” com Claudio. “É um relacionamento, não um namorinho, uma ficadinha.” Ele acredita que o casal vai conquistar a simpatia do público e não tem o menor receio de que o novo papel arranhe sua imagem de galã promissor.
Com a nova trama, Aguinaldo discutirá também o direito de permanecer no armário – uma ironia típica do autor para esses tempos de vigilância sexual. Já que Claudio esconde sua homossexualidade – e, pior, é casado com uma mulher –, o namoro tem os problemas típicos de um relacionamento extraconjugal. Com um agravante: o cerimonialista é alvo das fofocas do blogueiro Téo Pereira. Mais jovem e, portanto, com menos explicações a dar para o mundo, Leonardo pressiona Claudio a viver o amor sem reservas. “É um sentimento único. Ele ama mesmo essa pessoa”, diz Klebber, que diz ainda não ter concluído a formação de seu personagem. “Ele é natural, entregue ao que sente. Não sei se vai dar pinta. E sabe que eu nem pensei nisso?”